sábado, 15 de julho de 2006

João Cabral de Melo Neto

Tenho tentado descobrir textos que toquem tanto a razão quanto o sentimento, impulsionando-nos à reflexão. A arte da palavra sendo bonita e inteligente.
Neste Fragmento de “Morte e Vida Severina”, João Cabral mostra o funeral de um lavrador e sua ligação com a terra, fazendo uma crítica social, o nordestino sendo consumido para o nada...

Funeral do Lavrador
_ Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.
_ É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
_ Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
_ É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
_ É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
_ É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
_ Viverás, e para sempre,
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
_ Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
_ Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
_ Trabalharás, uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
_ Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo e colheita.
_ Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do nordeste.
_ Será de terra
tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
_ Será de terra
e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
_ Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
_ Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
_ Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem remenda.
_ Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.
_ Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
_ Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo).
_ Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
_ Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
_ Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos).
_ Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).
Morte e Vida Severina - fragmento

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Parabéns

A evolução do município de Coari não tem limites...
O www.paroquiacoari.com.br traduz esta nova realidade, provocando em mim um sentimento de saudades dos meus pais que tanto prezavam esta paróquia, cada um a seu modo...
parabéns pelo site. Que pena que o acesso a internet ainda não chegou em todos os lares coarienses e principalmente em nosso interior...
Mas, continuem, pois vai chegar...
As pessoas, como vocês, continuam a respeitar as suas tradições religiosas.
PARABÉNS...

domingo, 2 de julho de 2006

Felicidade e Infelicidade

Fernando Pessoa, poeta português, que participou da implantação do Modernismo em Portugal, nos fala que é preciso ser natural e calmo na felicidade e na infelicidade, que devemos conhecer a infelicidade para podermos entender a realidade em que estamos submetidos.

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso se de ver em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...